O Argonauta

29.9.04

FEIRA DA LADRA - 1ª PARTE


Vou à Feira da Ladra há uns 12 anos, desde que, ainda adolescente, descobri que havia um sítio em Lisboa onde podia vender (de forma simples) livros da Disney, pequenos electrodomésticos sem utilidade ou roupas que lá em casa já ninguém usava. E que podia aplicar o dinheiro dessas vendas em objectos mais úteis a um jovem de 18 anos - livros e discos - ou em saídas esporádicas com os amigos. Vivia a 10 minutos (de carro) da Feira, o que tornava tudo mais fácil. Desde aí, e durante 6 ou 7 anos, eram raros os sábados em que não acordava às 7 da manhã, para dar «um pulo à Feira». A maior parte das vezes só como comprador. Mas muitas vezes ia como vendedor e comprador, quase sempre na companhia do meu amigo J (ir sozinho era um bocado chato). Chegávamos cedo, bem cedo, ainda escuro, espalhávamos os artigos no chão e esperávamos pelas ofertas. Quando fazíamos 10 contos, era uma festa. Essa era a nossa principal «barreira psicológica» ou «barreira mítica», uma especie de Cabo das Tormentas. A partir desse valor, já estávamos satisfeitos. E felizmente, foram mais as vezes que o ultrapássamos do que aquelas em que não o atingimos.
Com o passar do tempo, à medida que a adolescência foi ficando para trás, as idas enquanto vendedor foram desaparecendo. Deixei de ter paciência para acordar muito cedo e enfrentar o frio. Passei a ser apenas um visitante-comprador, ainda bastante assíduo. Reza a lenda que no próprio dia do meu casamento, que se realizava a meio da tarde, em Évora, não dispensei uma descontraída visita à Feira. Afinal, se só tinha de almoçar à uma da tarde e saír depois disso, porque é que havia de ficar fechado em casa a amanhã toda? Mas claro que, ainda hoje, esse episódio é evocado pela família, num misto de gozo e admiração.
Depois do casamento, o ritmo das visitas foi abrandando - já não ia todas as semanas. Com os filhos, a «ida à Feira» tornou-se cada vez mais uma miragem, e ficou reduzida a uma periodicidade bi ou trimensal. Há outras prioridades...
Fazendo um balanço destes 12 anos, aquilo que eu noto é que se a minha vida mudou (provavelmente para melhor), também «a Feira» mudou, certamente no sentido inverso.