O Argonauta

28.1.04

QUEDA II

A melhor descrição da inacreditável e inexplicável morte de Miklos Fehér, e de todas as mortes, encontrei-a no Miguel Sousa Tavares (A Bola). Por isso o cito:
«(...) tivemos direito a ver tudo em directo, uma vida que se apagava e que desesperadamente não conseguia ser reanimada, ali, à nossa frente, assistindo minuto a minuto a uma tragédia que se adivinhava desde o primeiro instante em que ele caiu de costas em câmara lenta, despedindo-se da vida e olhando um céu nocturno sem estrelas, antes de pousar suavemente a cabeça como se fosse apenas dormir. Nunca mais nos curaremos destas imagens. A morte é assim: não pede licença, não dá aviso, não escolhe vítimas. Vem à traição, como ave de rapina, interrompe até um sorriso, os mais ambiciosos projectos, os mais sonhados sonhos, a mais leve juventude, para nos lembrar que a vida é só uma distracção passageira da morte, amais ténue linha entre a alegria e a inconsciência de uma vida que só existe porque o sangue corre nas veias e o instante súbito em que o coração deixa de bater e tudo submerge num definitivo e eternamente inexplicável buraco negro».